domingo, 20 de setembro de 2009

Gente poética


Leio quase tudo apresentado como antirreligioso. É que sou quase nada poético. E, como religião é poesia, fico tentado a tomar conhecimento de qualquer crítica – enfurecida ou irreverente – dirigida à fé religiosa.

Eu considero que a principal distinção do ser humano em relação aos outros animais é a capacidade de fazer poesia. Cérebro de gente cresceu demais e passou a inventar coisas. Uma delas é acreditar que existe um ser superior responsável pela criação de tudo no Universo. E mais: o tal ser monitora as vidas das bilhões de pessoas que existem e já existiram na Terra. Por isso que eu não consigo ser sério.

O último livro contrarreligioso que li foi A morte da fé, do americano Sam Harris. Mesmo sendo agnóstico, vejo um problema na obra de Harris: a transformação do agnosticismo ou ateísmo em dogma. Em salvação. Trata-se da crença de que ao eliminar – ou, ao menos, reduzir brutalmente a influência - as religiões o mundo será melhor.

A justificativa é que há muita matança em razão de credos. Fato. Mas também é fato que a poesia humana já criou outras formas de impulsionar violência, como ideologia política e nacionalismo. E muitas outras serão fabricadas. Não há salvação.

Nada indica que a religião será erradicada. É tão ingênuo quanto crer em imortalidade da alma. Em alma. A ingenuidade poética do grande cérebro humano não dá mostras de que possa ser defenestrada.

Mas Harris expõe uma questão pertinente: uma proibição tácita de falar mal das religiões e dos crentes. Quando se deprecia verbal ou visualmente uma crença, os religiosos pedem respeito.

Falta de respeito é impedir que outra pessoa exerça sua fé. Seria agredir fisicamente alguém que carrega uma Bíblia. Ou destruir um templo. Mas dizer que não gosta, desaprova, acha ridículo ou absurdo acreditar em força superior é liberado. Trata-se apenas de explicitar o credo que as religiões não prestam. Tão legítimo quanto o Kaká usar uma camiseta com a inscrição “Eu pertenço a Jesus”.

Religião enche o saco. Atrapalha. Penetra em muitas áreas. Mas não há como eliminá-la. O que resta é falar mal dela.


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