terça-feira, 26 de outubro de 2010

Bichos e carência afetiva

Tenho um teste para avaliar o nível de carência de uma mulher. Pergunto se ela tem cachorro ou gato. Se tiver, questiono se o bicho dorme na cama com ela. Uma resposta afirmativa já demonstra que é carente. Só que tem mais. Indago se, além do cão ou do felino, ela também dorme abraçada a um bicho de pelúcia. Se ela me disser que sim, significa que a carência é elevada.

Mas não é só coisa de mulher. Também conheço homens muito ligados a animais. Um desses meus conhecidos até mesmo anda com uma foto da cadela dele no celular. E mostra a imagem para as pessoas.

Pior que não se trata de uma artimanha para pegar mulheres carentes. Tanto ele quanto a mulherada ficam apenas olhando fotos de cachorros e gatos e dizendo “Oh, que lindinho!”. Não acontece nada. O cara não é gay. Nem misógino ou assexuado. É que, pelo que observo, um encontro de carentes não resolve o vazio afetivo dos envolvidos. Pelo contrário. Carência com carência resulta em mais carência ainda.

O excessivo apego a bichos revela muito mais que falta de homem ou de mulher. É uma questão de inaptidão para viver no mundo contemporâneo. Gente que sofre de deficiência temporal. Esse retardado não consegue se adaptar às relações descartáveis, fluidas e transitórias que marcam a hodiernidade. Aí se voltam para os cães. Só porque o cachorro é fiel. Cão não trai. Cachorro não é bom nem mau. Cachorro é só um bicho bobão.

Propagam a idéia de que o ser humano não presta. Desculpa esfarrapada. Incompetência social. Não se enquadram na atualidade e colocam a culpa nos outros. Gente é contraditória. É volúvel. É incoerente. É instável. Se não fosse assim, não seria divertido. Cachorro é fácil de conquistar. Quero ver ter competência para se relacionar com humanos, que são seres multifacetados.

O ideal de sociedade lineares e estáveis já era. A segurança de um mundo ordenado pela religião ou pela razão não existe mais. A segurança foi trocada pela liberdade. O que considero excelente.

O indivíduo não precisa mais se fechar em identidades e comportamentos estanques. Pode ser heterossexual em determinado momento. Depois, passa para homossexual. Daí para bi ou pansexual. Volta a ser heterossexual. Aí resolve curtir uma fase assexuada. Está tudo em aberto.

Tem mais. Pode escolher entre namoro ou casamento tradicional e formas mais pós-modernas como relações abertas e casuais. Outra coisa: não há mais espaço para relacionamentos que não privilegiem a individualidade dos parceiros. Os controladores e ciumentos vão terminar mesmo cercados de cães e bichanos.

Outro exemplo: há possibilidade de optar entre diversos produtos culturais. Ninguém mais precisa ficar preso a rótulos de alta cultura e cultura pop. Dá para aproveitar tanto coisa cabeça como de mero entretenimento.

Não sou partidário de que tudo precisa ter raízes. De que tudo tem de ser profundo. Que nada. Há pessoas que servem para passar apenas uma noite. Outras funcionam bem para relacionamentos utilitários, como contatos profissionais. Tem gente que é boa para um papo e ruim para sexo. E

Gente linear é sem graça ou fanática. Gente reta é intolerante. E o fanático pode se tornar violento. Terroristas muçulmanos cometem atentados porque não suportam a liberdade de costumes do Ocidente. Carolas impedem a materialização de direitos civis – eutanásia, união civil de pessoas do mesmo sexo e aborto, por exemplo – porque isso vai acabar com o mundo de Deus. O mundo como eles querem que seja adotado por todos, não apenas pelos adeptos de determinado credo.

Mas existe saída para os que não conseguem lidar com a insegurança, a fragmentação e a volubilidade do mundo atual. Trata-se do suicídio. Não há porto mais seguro para o indivíduo contemporâneo do que o cemitério. E dá para pedir que enterrem o cachorro ou o gato junto.









*Marcelo Amaral

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eleição do aborto

Faz tempo que não ligo para política eleitoral. Prefiro temas comportamentais. Como o tema do aborto entrou no pleito presidencial de 2010, resolvi acompanhar a disputa. Até para ver qual candidato ficará mais patético ao tentar agradar o eleitorado carola.

Os dois postulantes à Presidência da República estão fazendo papelão com esse papo de defesa da vida.

Dilma Rousseff soa falsa ao se dizer, neste momento, contrária à descriminalização, quando havia se declarado favorável anteriormente.

José Serra não tem traquejo para tratar de assuntos de comportamento. O que ele disser sobre aborto será inócuo eleitoralmente. Só sabe falar de números e administração.

Aborto e religião conferem um caráter jeca à corrida presidencial. Exceto nos Estados Unidos, por conta da caipirada que constitui o “cinturão da Bíblia”, nos países mais avançados a fé não entra decisivamente nas disputas eleitorais. E o Brasil, que posa de nova potência, de um dos futuros líderes globais, está passando um recibo de atraso.

As posições de Dilma e Serra sobre aborto são irrelevantes para o exercício do cargo de presidente do Brasil. O que importa para eleger o principal mandatário do País são as questões chatas. Exemplo: propostas de governo e de onde sairá o dinheiro para realizá-las. E isso não apareceu nessa campanha. Política externa foi outra coisa importante que ficou de fora.

Sou favorável à descriminalização do aborto. Defendo uma legislação nos moldes da que vigora nos Estados Unidos. Até 12 semanas de gestação, a mulher pode procurar um serviço de saúde e abortar.

Entendo que feto não tem acesso a direitos. Defesa da vida vale para os que saírem das barrigas de suas respectivas mães. É mais conveniente. Foco nos que nascerem. Antes disso, cada grávida decide o que fazer com aquilo que carrega.

Seria mais interessante uma campanha em que surgisse um candidato abertamente favorável ao aborto. Não seria eleito para um cargo majoritário, num primeiro momento. Mas poderia ganhar para deputado federal, estadual ou vereador.

E agitaria o pleito. Animaria mais disputa, que já conta com figuras como os deputados federais eleitos Tiririca e Romário, além de outras celebridades que resolvem virar políticos.

Poderia ir além do aborto. Defender eutanásia, por exemplo. Outro tema que alfineta os crentes é a união civil de homossexuais. Só que esse tem gente que já defende publicamente. Mais ainda: cobrança de impostos de igrejas e quaisquer outras instituições religiosas. Tratá-las como empresas de aconselhamento, recolhendo delas os tributos que incidem sobre prestadoras de serviço. Vai causar.

Se a partir de agora todo candidato adotar um discurso para agradar os cristãos fervorosos, sobretudo os evangélicos, as eleições ficarão mais aborrecedoras do que já são. Tem de haver um contraponto para ter alguma graça.

Tudo bem que o aborto é tema de saúde pública. Mas, antes disso, é assunto de comportamento. Melhor que fique fora de campanha política. Até porque não será debatido adequadamente numa disputa eleitoral. Os candidatos precisam bajular o eleitorado. Não poderão contrariar o pensamento majoritariamente conservador cultural.




Marcelo Amaral

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