terça-feira, 31 de agosto de 2010

Problemas da paixão

Não sou afeito a relacionamentos amorosos. Pessoas apaixonadas – exceto para seus parceiros de paixão – se tornam maçantes. Mas leio, ouço e vejo coisas sobre o tema. Até para poder atestar que não sou do ramo. Também fico com munição para participar de conversas acerca do assunto, principalmente se for para alfinetar os outros.

Tive um papo recente sobre paixões com duas mulheres que foram minhas colegas de faculdade. Ambas se reconhecem como altamente passionais. Não apenas no aspecto romântico, mas em tudo. Elas precisam de paixão no trabalho, nos estudos e quaisquer outras esferas da vida.

São três questões que me entediam nos passionais. A primeira delas é que eles ficam monotemáticos. Só pensam na outra pessoa – se bem que pode ser também um ideia, uma causa ou, pior ainda, um animal.

Culpa da dopamina e da norepinefrina, substâncias produzidas pelo organismo que dão foco e fixação, conforme descreve o livro Por que amamos?, de Helen Fischer, antropóloga norte-americana que realiza pesquisas, em conjunto com neurocientistas, sobre relacionamentos amorosos. Isso tudo para favorecer o acasalamento e a reprodução.

Outra coisa: passionais e sensíveis se acham dotados de superioridade moral. Arrogar-se superioridade moral já é brega. Em combinação com paixão amorosa, fica mais piegas ainda. É que eles se acham mais humanos, por viverem fortemente as emoções. Assim, julgam-se mais compreensivos e éticos que os demais.

Por conta disso, querem pautar as relações. Impõem um jeito tatibitate na comunicação. Exigem demonstrações de paixão o tempo inteiro. Tem de ser do jeito deles. E pior: não aceitam questionamentos. Só eles podem criticar. Claro, eles são sensíveis, então são superiores e sabem o jeito certo de se comportar num relacionamento. É sufocante.

Aí vem o terceiro aspecto que me chateia no passionalismo: o receio de falar de forma direta. As pessoas normalmente evitam certos assuntos e tons para não ferir as suscetibilidades do sujeito sensível. Isso acaba com o humor, principalmente.

O engraçado é que quando a coisa degringola – um rompimento, uma paixão não correspondida – o friozão aqui vira modelo. As minhas duas colegas de faculdade disseram que gostariam de comprar um pouco dos meus genes, uma vez que sofrem muito com tanta intensidade emocional.

Por isso que esse papo todo de encontrar alguém não me pega. O que as pessoas querem mesmo é a autossuficiência emocional.

Quem não tem tal capacidade, pode recorrer a outro livro de Helen Fischer. Chama-se Por que ele? Por que ela? e trata das personalidades humanas – de acordo com bases químicas, como em Por que amamos? – frente aos relacionamentos amorosos.

Helen Fischer mostra no livro que os Negociadores – forma como ela denomina os passionais - se sentem mais atraídos pelos Diretores, tipos mais objetivos, diretos e menos expressivos emocionalmente. Seria a uma busca por complementaridade em relação ao nhenhenhém deles, os Negociadores.

Não acredito nesse lance de complementar. Indivíduos passionais nunca ficam satisfeitos por muito tempo, pelo que observo. Querem que os outros entrem na mesma pilha deles, sendo tão amorosos e devotados como eles, Negociadores, acreditam ser. Penso que só dá certo com outro passional, que pode compreender melhor e aceitar tanta carga emocional.

Sempre sou questionado quando vou arrumar uma namorada. Respondo que namoro é caro. Jantares, cinema e presentes levam muita grana. O melhor investimento é a solidão. Tem mais: relacionamento engorda.




Marcelo Amaral

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terça-feira, 17 de agosto de 2010

História de pobre

Tenho uma preguiça monstruosa em relação a empreendedorismo social e histórias de superação. Pior ainda quando isto em é exibido em programas de televisão.

Vi algumas chamadas da série Brasileiros, exibida recentemente pela Globo. Sei que tinha, por exemplo, a história de um bailarino, discriminado pelo pai por ter escolhido esta atividade, que resolveu abrir uma escola de dança clássica na cidadezinha onde nasceu. Assim como outra de um grupo de mulheres jovens que constituíram um fundo de microcrédito em um lugar pobre.

Duvido de um possível efeito multiplicador entre os telespectadores. Penso que ninguém vai se tornar empreendedor social por conta de um programa como este Brasileiros.

Só terá impacto entre as pessoas com propensão à benevolência. Entre aqueles que já ajudam – com trabalho e dinheiro, ou os dois - uma instituição de caridade ou fazem doações diretas. Mas não vai transformar um individualista e egoísta como eu em um altruísta militante e ativo.

O que me chateia neste tipo de coisa é que cria um clima de obrigação de ser solidário. Querem fazer com o não-doador ou não-voluntário se sinta constrangido. E aí vem aporrinhação.

Reclamam do telemarketing de bancos, empresas de cartão de crédito, telefônicas e editoras de revistas. Essa gente enche mesmo o saco. Mas os telepedintes de instituições beneficentes são mais chatos ainda.


Quase que diariamente liga para a minha casa um representante de alguma APAE. Mesmo que seja dito – polidamente - que não é possível ajudar, eles insistem. Apelam para as necessidades das crianças deficientes.

E, pior ainda, alguns deles chegam a mostrar indignação por ter a doação – em dinheiro, umas não aceitam alimentos, querem a grana, claro – negada. Justamente em virtude da tal obrigação de ser solidário que vigora atualmente.

Comigo tem o efeito contrário. Quanto mais insistência pela caridade, menos disposição eu tenho em ajudar. Tanto que nunca liguei para o Criança Esperança.

Já não sou mais cortês com os arrecadadores de dinheiro para beneficência. Digo simplesmente que não vou ajudar porque não quero. E que não fico com a consciência pesada por causa disso.

Assim como despacho os bancos, cartão de crédito, operadores de telefonia e editoras. Mas não é porque tem fim social que pode encher o meu saco com pedidos e supostas lições de moral, ética e solidariedade.

Claro que sou idiossincrático. Para mim, benevolência é um adendo e não um compromisso. Não curto as noções de bem comum, Humanidade e coisas parecidas.

Só que há muito de ridículo nesse fascínio por história de pobre. Isso é conversa de cientista social ultrapassado. O mundo é muito mais complexo do que uma divisão entre pobres – puros e bons – e exploradores.

O mais importante: futebol dá mais audiência que Brasileiros e o show do Criança Esperança.

 


Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Crentes, evangélicos e antipatizantes

Evangélicos neopentecostais famosos deram para se dizer perseguidos. Kaká e Jorginho, auxiliar técnico da Seleção Brasileira na gestão de Dunga, declararam contar com antipatia de parte da imprensa em virtude da religião.

Jorginho pediu respeito por ser cristão. O contexto foi o seguinte. Após a eliminação do Brasil na Copa de 2010, a imprensa esportiva apontou Jorginho como mentor do regime militar – muita concentração, pouco contato com a mídia e torcedores – adotado pela Seleção Brasileira na África do Sul. E entre as questões levantadas estava um possível favorecimento aos evangélicos no time brasileiro.

Exemplo: Jorginho levou para a comissão técnica um observador, Marcelo Cabo, considerado inexperiente para a função de estudar os adversários da equipe brasileira. Apesar da pouca rodagem, Cabo teria sido levado por ser da mesma igreja de Jorginho. O ex-auxiliar disse que a escolha não tinha a ver com religião. Daí a história de ser perseguido e pedir o tal respeito.

Kaká também quer ser respeitado, assim como ele, segundo o próprio, respeita os ateus. O alvo de Kaká foi o jornalista Juca Kfouri, crítico contumaz do merchandising religioso de alguns jogadores.

Tenho problema com a ideia de respeito quando se trata de crenças e opiniões. Expor desaprovação e contrariedade em relação a um credo religioso não constitui desrespeito.

Falta de respeito seria impedir que alguém exerça sua fé. Kaká não tem sido proibido de comemorar os gols apontando os dedos indicadores para cima, olhando para o céu e dizendo “Obrigado, Senhor”. Jorginho também pode rezar o quanto quiser. No ambiente do futebol ou fora dele.

Os evangélicos despertam, sim, antipatia em algumas pessoas. Algo totalmente cabível em função do comportamento e das estruturas de comunicação de massa que possuem.

Neopentecostais são fervorosos. As demonstrações de fé são efusivas. É sempre “Jesus, isso” e “O Senhor aquilo”. Possuem espaços e redes de televisão para divulgar em larga escala sua doutrina e para fazer proselitismo. Elegem bancadas legislativas para aprovar leis – como benefícios fiscais às igrejas – e barrar outras.

E é claro que um segmento com o poder – cada vez maior – político e midiático alcançado pelos evangélicos chateia muita gente. Assim como acontece com grandes empresas, instituições e pessoas muito presentes.

Os futebolistas são expoentes do neopentecostalismo no Brasil. Então, que aguentem os desdobramentos disso. Serão queridinhos de seus colegas de fé, mas desaprovados por outros.

Não é todo mundo que vai achar graça nos jogadores comemorando títulos vestindo camisetas com a inscrição a “I belong to Jesus” em vez das camisas dos clubes ou seleções.

Tanto que a Fifa tratou de enviar um comunicado às seleções – tendo como alvo principal o Brasil –, antes da Copa do Mundo da África do Sul, pedindo que atletas não exibissem mensagens comerciais, políticas e religiosas durante os jogos do Mundial. Não o fez de forma de peremptória para não caracterizar cerceamento de liberdade religiosa.

Ser evangélico neopentecostal ainda é coisa de pobre no Brasil. Mesmo que tenha conquistado adeptos entre membros das classes mais abastadas, este segmento ainda é visto como muito povão. E quem tem mais dinheiro e instrução ao virar evangélico acaba por receber a pecha de bobo. Alguém que se deixa enganar por pastores que querem apenas enriquecer.

Não importa se o rótulo é injusto. Funciona assim: ser evangélico, no Brasil, ainda é falta de gosto. Mesmo com Kaká sendo originalmente de classe mais alta, ter aparência de galã e se vestir com roupas de Giorgio Armani.

Fica sendo o tonto que dá milhões de euros aos donos – que foram presos nos Estados Unidos e respondem vários processos no Brasil - da igreja Renascer em Cristo. E que ainda defende os pastores, dizendo que são vítimas de campanha orquestrada pelo Inimigo.

Evangélicos não são perseguidos. Eles que é perseguem os outros com tanta pregação. E aí, claro, despertam muita antipatia.






Marcelo Amaral


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