O que me vem apresentado como tempero da vida não me cai bem. Faço “Ih” quando alguém começa a pregação sobre ser útil, produtivo e deixar um legado – familiar, profissional e tudo mais.
Já me acusaram de não ser rock’n’roll. A pessoa quis dizer, pelo que entendi, que sou um cara sem iniciativa.
Considero as exortações para ser pró-ativo, na maior parte dos casos, contraproducentes. Quem é travado, vai ficar patético tentando ser um galanteador. Assim como alguém sem tino para os negócios vai se dar mal se quiser ser um empreendedor. Só serve mesmo como burocrata.
A maioria da população é composta de gente feia, de inteligência mediana e pouco talento. A melhor opção é mesmo ser uma pessoa na dela. Não adianta querer ser destaque. Caso contrário, vai para o buraco.
Sobre construir uma família, penso que o único legado garantido que os pais deixam para os filhos é a morte. O resto depende de várias circunstâncias. Alguém pode muito bem trocar as referências dadas pelos genitores e criadores por outras, tipo amigos, colegas, mentores e personalidades.
Meus pais são católicos fervorosos. Eu sou misoteísta. Meus pais adoram comemorações. Eu fujo delas. Meus pais querem um neto. Eu sugeri que eles comprassem um.
Pais caretas podem ter filhos aloprados. Assim como filhos certinhos podem ter pais bizarros. Um filho pode virar um drogado mesmo tendo crescido numa família funcional. Quem sabe um pai alcoólatra tem um filho que só toma leite desnatado.
Pode não se adotar um exemplo claro. Esta última é a que mais me agrada. Não sou chegado a tomar pessoas como modelo. Ninguém é grande coisa. Tanto que critico a cobrança para que artistas e atletas sejam exemplo para os jovens.
É besteira comprar uma ideia de imortalidade por meio de filhos e obra profissional. O sujeito vai ser comido embaixo da terra e não saberá o que será da sua prole ou do seu trabalho.
Tanto que os dois únicos livros de autoajuda pessoal e profissional que curti são os da suíça Corinne Maier. O primeiro é Bom dia, preguiça!, com dicas de como enrolar no trabalho. O outro se chama Sem filhos – 40 razões para você não ter. Corinne teve dois, atualmente na adolescência. Disse estar arrependida por ter desperdiçado tempo de sono e lazer. E mais: falou que se fosse para sustentar outras pessoas, teria sido melhor um gigolô.
Quando cogitei cair nessa conversa de condimentar a minha vida, tive gastrite e esofagite. Meu gastro chegou a me indicar uma cirurgia de refluxo. Mas aí tomei Omeprazol e voltei à minha vida besta. A gastrite e a esofagite desaparecem na minha última endoscopia.
Marcelo Amaral
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