Incomoda-me na cultura brasileira das relações cotidianas a condenação a dizer “não”. Falar “não quero” ou “não vou” quando de uma oferta ou convite é visto como indelicadeza.
Há poucos dias fui convidado por uma prima para a festa de aniversário dela. Tinha de ir fantasiado. Agradeci o convite. Só que falei: “Não vou”. Ela me perguntou por quê. Respondi: “Não estou a fim. E não quero me preocupar em ir atrás de fantasia”.
Minha prima ficou chateada. Disse que eu precisava a aprender a me divertir. Continuei a negar minha ida. Até porque eu é que sei o que acho divertido para mim. No caso, foi ficar em casa vendo jogos de futebol e, mais tarde, GNT Fashion e o O Índice da Maldade.
No meu pensamento de gente esquisita, é pior inventar uma desculpa. Denotaria mais desprezo do que falar na lata que não quer fazer algo. Não fui desta vez. Mas posso querer ir noutra ocasião. Só que se não quiser me convidar mais, tudo bem.
Esta é a minha utopia: relações pessoais – no Brasil – mais fluidas, simples e diretas. Tem mais: festa de aniversário é coisa para criança. Depois dos 10 anos de idade, para mim, torna-se um problema emocional querer celebrar a data de nascimento. Requer tratamento.
Já ouvi diversas explicações sobre o “não” ser ofensivo entre brasileiros.
Uma antropológica diz que o brasileiro valoriza a sinuosidade. Exemplo: mulheres com curvas. E, como consequência, os discursos tendem a ser mais desviantes, em comparação ao jeito direto de povos como o alemão e o norte-americano.
Outra teoria, de cunho sociológico, especula que a rejeição ao “não” vem da formação do Brasil. É que as relações pessoais no Brasil se estabeleceram – e isso ainda perdura – por cordialidade.
Este conceito de cordialidade se refere ao coração, a ser chegado. Tanto que nepotismo e levar para “sua” patota para ocupar cargos públicos são práticas ainda comuns na vida brasileira.
Aí, por conta dos laços pessoais, fica essa coisa de evitar magoar o outro. Deixa-se de proferir um “não” categórico para não perder o lugar em alguma turma.
Considero que as duas hipóteses têm alguma pertinência. E penso que essa mania de querer ser gente boa acarreta em problemas para o Brasil.
Os exemplos são múltiplos. O sistema judiciário brasileiro é enrolado e procrastinador. Adota uma linguagem pernóstica e prolixa. Se fosse mais direto, dizendo não a diversos recursos, as decisões da Justiça poderiam ser mais céleres.
Há também a burocracia que emperra a abertura e desenvolvimento de negócios. Daí se recorre a uma relação cordial – que muitas vezes é comprada – para que um parente, amigo ou conhecido arrume um documento em algum órgão público. Se fosse dito não a toda papelada requerida, tudo seria mais rápido e funcionaria melhor.
Acho ainda que o não se aplica muito bem às relações cotidianas. Observo que muitas vezes os relacionamentos ficam tensos porque uma das partes não consegue falar “não” à outra.
É um companheiro que faz várias concessões ao parceiro, achando que pode magoá-lo. Coisas como acompanhar o outro em várias exposições de arte, quando queria estar em casa vendo televisão. Só que chega uma hora que a pessoa que faz as concessões não aguenta a pressão e explode.
Daí o parceiro beneficiado pelas concessões se sente enganado. Isto porque achava que o companheiro gostava de fazer a mesma coisa que ele. Não percebia que se tratava de fingimento. Pode virar uma guerra.
Como já não sou apreciador de outros símbolos culturais brasileiros, tipo caipirinha, feijoada e samba, sinto-me liberado a continuar a dizer “não”.
Marcelo Amaral
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