Faz tempo que não ligo para política eleitoral. Prefiro temas comportamentais. Como o tema do aborto entrou no pleito presidencial de 2010, resolvi acompanhar a disputa. Até para ver qual candidato ficará mais patético ao tentar agradar o eleitorado carola.
Os dois postulantes à Presidência da República estão fazendo papelão com esse papo de defesa da vida.
Dilma Rousseff soa falsa ao se dizer, neste momento, contrária à descriminalização, quando havia se declarado favorável anteriormente.
José Serra não tem traquejo para tratar de assuntos de comportamento. O que ele disser sobre aborto será inócuo eleitoralmente. Só sabe falar de números e administração.
Aborto e religião conferem um caráter jeca à corrida presidencial. Exceto nos Estados Unidos, por conta da caipirada que constitui o “cinturão da Bíblia”, nos países mais avançados a fé não entra decisivamente nas disputas eleitorais. E o Brasil, que posa de nova potência, de um dos futuros líderes globais, está passando um recibo de atraso.
As posições de Dilma e Serra sobre aborto são irrelevantes para o exercício do cargo de presidente do Brasil. O que importa para eleger o principal mandatário do País são as questões chatas. Exemplo: propostas de governo e de onde sairá o dinheiro para realizá-las. E isso não apareceu nessa campanha. Política externa foi outra coisa importante que ficou de fora.
Sou favorável à descriminalização do aborto. Defendo uma legislação nos moldes da que vigora nos Estados Unidos. Até 12 semanas de gestação, a mulher pode procurar um serviço de saúde e abortar.
Entendo que feto não tem acesso a direitos. Defesa da vida vale para os que saírem das barrigas de suas respectivas mães. É mais conveniente. Foco nos que nascerem. Antes disso, cada grávida decide o que fazer com aquilo que carrega.
Seria mais interessante uma campanha em que surgisse um candidato abertamente favorável ao aborto. Não seria eleito para um cargo majoritário, num primeiro momento. Mas poderia ganhar para deputado federal, estadual ou vereador.
E agitaria o pleito. Animaria mais disputa, que já conta com figuras como os deputados federais eleitos Tiririca e Romário, além de outras celebridades que resolvem virar políticos.
Poderia ir além do aborto. Defender eutanásia, por exemplo. Outro tema que alfineta os crentes é a união civil de homossexuais. Só que esse tem gente que já defende publicamente. Mais ainda: cobrança de impostos de igrejas e quaisquer outras instituições religiosas. Tratá-las como empresas de aconselhamento, recolhendo delas os tributos que incidem sobre prestadoras de serviço. Vai causar.
Se a partir de agora todo candidato adotar um discurso para agradar os cristãos fervorosos, sobretudo os evangélicos, as eleições ficarão mais aborrecedoras do que já são. Tem de haver um contraponto para ter alguma graça.
Tudo bem que o aborto é tema de saúde pública. Mas, antes disso, é assunto de comportamento. Melhor que fique fora de campanha política. Até porque não será debatido adequadamente numa disputa eleitoral. Os candidatos precisam bajular o eleitorado. Não poderão contrariar o pensamento majoritariamente conservador cultural.
Marcelo Amaral
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