terça-feira, 17 de agosto de 2010

História de pobre

Tenho uma preguiça monstruosa em relação a empreendedorismo social e histórias de superação. Pior ainda quando isto em é exibido em programas de televisão.

Vi algumas chamadas da série Brasileiros, exibida recentemente pela Globo. Sei que tinha, por exemplo, a história de um bailarino, discriminado pelo pai por ter escolhido esta atividade, que resolveu abrir uma escola de dança clássica na cidadezinha onde nasceu. Assim como outra de um grupo de mulheres jovens que constituíram um fundo de microcrédito em um lugar pobre.

Duvido de um possível efeito multiplicador entre os telespectadores. Penso que ninguém vai se tornar empreendedor social por conta de um programa como este Brasileiros.

Só terá impacto entre as pessoas com propensão à benevolência. Entre aqueles que já ajudam – com trabalho e dinheiro, ou os dois - uma instituição de caridade ou fazem doações diretas. Mas não vai transformar um individualista e egoísta como eu em um altruísta militante e ativo.

O que me chateia neste tipo de coisa é que cria um clima de obrigação de ser solidário. Querem fazer com o não-doador ou não-voluntário se sinta constrangido. E aí vem aporrinhação.

Reclamam do telemarketing de bancos, empresas de cartão de crédito, telefônicas e editoras de revistas. Essa gente enche mesmo o saco. Mas os telepedintes de instituições beneficentes são mais chatos ainda.


Quase que diariamente liga para a minha casa um representante de alguma APAE. Mesmo que seja dito – polidamente - que não é possível ajudar, eles insistem. Apelam para as necessidades das crianças deficientes.

E, pior ainda, alguns deles chegam a mostrar indignação por ter a doação – em dinheiro, umas não aceitam alimentos, querem a grana, claro – negada. Justamente em virtude da tal obrigação de ser solidário que vigora atualmente.

Comigo tem o efeito contrário. Quanto mais insistência pela caridade, menos disposição eu tenho em ajudar. Tanto que nunca liguei para o Criança Esperança.

Já não sou mais cortês com os arrecadadores de dinheiro para beneficência. Digo simplesmente que não vou ajudar porque não quero. E que não fico com a consciência pesada por causa disso.

Assim como despacho os bancos, cartão de crédito, operadores de telefonia e editoras. Mas não é porque tem fim social que pode encher o meu saco com pedidos e supostas lições de moral, ética e solidariedade.

Claro que sou idiossincrático. Para mim, benevolência é um adendo e não um compromisso. Não curto as noções de bem comum, Humanidade e coisas parecidas.

Só que há muito de ridículo nesse fascínio por história de pobre. Isso é conversa de cientista social ultrapassado. O mundo é muito mais complexo do que uma divisão entre pobres – puros e bons – e exploradores.

O mais importante: futebol dá mais audiência que Brasileiros e o show do Criança Esperança.

 


Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

Um comentário:

  1. Gosto do seu estilo de escrita.É limpo, objetivo.Gostaria de ver um texto seu sobre o fato das pessoas não acreditarem "de verdade" que vc seja insensivel como diz.Concordo qd diz que há hoje uma cobrança para que sejamos solidários.O que não consegui fazer foi assistir "cadeirantes"(acho essa palavra sem sentido) dançando e achar fantástico, como queriam todos que viram.Penso o que penso sobre todas as pessoas que dançam mal...fiquem à vontade, mas não esperem que eu ache lindo.Abraços

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