Texto de dezembro de 2005.MATEI O PAPAI NOEL
Este será o Natal mais feliz da minha vida. Realizei algo que tinha vontade de fazer desde criança. Matei o Papai Noel. Infelizmente, apenas um Papai Noel de brinquedo. Quem sabe no próximo Natal eu consigo eliminar um Papai Noel mesmo. Não apareça de vermelho e branco na minha frente em dezembro de 2006.
Como o Papai Noel antigo da minha casa está quebrado – não toca mais "Jingle Bells" -, comprei um especialmente para assiná-lo. E não foi de camelô. Eu queria matar um Papai Noel de qualidade. Paguei cinqüenta paus por um Papai Noel em uma loja de presentes. Aproveitei e comprei pilhas novas. Para ter de reserva, evidentemente. O plano não poderia falhar. Senão, eu voltaria a entrar em depressão.
Moro no décimo primeiro andar. Fui até a sacada com o Papai Noel já ligado – tocando "Jingle Bells". Joguei o brinquedo para cima. Fiz isso para ver o Bom Velhinho cair girando. Foi uma experiência fantástica. Tentei contar quantos giros o Papai Noel deu até chegar ao solo. Claro que não consegui. Vibrei enquanto olhava a alternância das solas pretas das botas e do gorro vermelho. Solas e gorro. Solas e gorro. Solas e gorro. Solas e gorro. Até que me perdi. Deu para ver também os óculos dele se soltarem. O Papai Noel não era tão bom quanto eu imaginava. A coreana da loja de presentes me engambelou.Tã-tã-tã-ta-t... o som de "Jingle Bells" – a música mais irritante que já escutei – enfraquecia. E eu extasiado.
Paf! O Papai Noel espatifou no chão cimentado da quadra do meu prédio. Três moradoras aparecerem em suas sacadas para ver o que tinha acontecido. Pena que nenhuma conseguiu verificar que se tratava do cruel assassínio do Bom Velhinho. Uma velha do quarto andar olhava atentamente. Mas parecia que não entendia nada. Acho que ela já está caduca e cega. Uma mulher do décimo do outro bloco também não visualizou que objeto tinha caído na quadra. Tem um árvore colossal à frente da sacada dela. Uma empregada do sexto – do outro bloco – saiu e logo entrou de volta no apartamento. Não deve ter visto nada. O problema é que eu matei o Papai Noel à tarde. Devia ter feito isto à noite. Certamente, mais gente poderia assistir ao meu espetáculo.
Da minha sacada, contei seis grandes partes do Papai Noel que se desprenderam depois do choque. Desci para constatar a morte do Papai Noel e conferir de perto o estrago. Quase gozei quando vi a cena do crime. O cabeça parou perto da trave de futsal. O tronco na marca do pênalti. Um braço estava junto à tela de proteção. O outro dentro do gol. Uma perna estava à esquerda, quase em cima da linha de fundo. A outra acabou do lado contrário, também próxima à linha de fundo da quadra. O saco estava dentro do gol. Não encontrei os óculos do Bom Velhinho. Queria guardá-los como troféu pela minha façanha de ter estraçalhado o Papai Noel. Fiquei com o saco.
Chegaram o zelador e um faxineiro. O zelador falou: "Rapaz, tacaram um Papai Noel lá de cima. O bicho torô todinho". Assumi, orgulhosamente, minha culpa. Declarei na lata: "Fui eu que joguei". O zelador: "Por que você fez isso, são-paulino?". Fui enfático: "Deu vontade, porra!". Enquanto recolhia os restos mortais do Papai Noel, o faxineiro disse: "Eu queria dar um Papai Noel desse para a minha filha". Não resisti e soltei: "O Papai Noel morreu. Sorte da sua filha". E fui embora. Acho que eles não contarão que sou o responsável pelo fim do Papai Noel. Meu pai é o sub-síndico do prédio. Além disso, sou morador antigo. Mudei-me para cá com seis e agora estou com vinte e nove. Por causa disso, os funcionários não têm apenas respeito, como também medo de mim. É excitante provocar medo nos outros.
Chega de Natal e de Ano Novo. Em vez de ficar bonzinho, fico mais azedo ainda neste período. Não mando cartões nem e-mails de Boas Festas. Não dou presentes. Só recebo, é claro. Não dou gratificação para entregadores de jornais e revistas. Pago as assinaturas. E o preço delas já embutem o serviço de entrega. Acho chato que eles não tenham dinheiro para comprar um panetone. Só que isso não é problema meu. Também me falta grana para adquirir muitas coisas. Acho um absurdo contribuir para a caixinha dos funcionários do meu condomínio. Eles são empregados formais. Recebem em dia. Levam cestas básicas todos os meses. Mais ainda: acabaram de embolsar o décimo terceiro salário. Dá para comprar panettone e o Papai Noel de brinquedo para os filhos.
O Papai Noel morreu. Assim como Deus também deveria estar definitivamente morto.