domingo, 17 de janeiro de 2010

Patrulha da sensibilidade


Não me comovo com catástrofes como o terremoto no Haiti. Tremor de terra de sete graus na escala Richter em país pobre resulta mesmo em destruição, milhares de mortos e caos social. Não sinto pelo câncer de Hebe Camargo. Quanto mais alguém avança na idade, mais chance tem de desenvolver tumores malignos. Hebe tem um filho chamado Marcelo. Mas não sou eu. Não herdarei nada dela. Não fico triste por ninguém. Assim como não fico feliz por ninguém.

Claro que o padrão humano é demonstrar emoções. Mas existem pessoas cujos organismos não produzem expressões sentimentais. Tal tipo de gente é catalogada por psiquiatras como portadora de Transtorno Esquizóide de Personalidade. Como gosto de nomes mais simples, eu uso TFE – Transtorno de Frieza Emocional. Atenção aos assustados: ainda não existe tratamento eficaz conhecido para o distúrbio. Até porque não se sabe se é doença ou apenas uma modalidade de personalidade.

Há também a confusão entre esquizoidia e psicopatia. Aliás, psicopatia ou sociopatia agora se recebe o nome de Transtorno de Personalidade Antissocial. Esquizóide tem menos tendência para o crime que os antissociais. Eu preferia ser psicopata, que consegue desenvolver capacidade de simular sentimentos para manipular pessoas. Eu daria golpes financeiros.

Meu ponto é o seguinte: se os emocionalmente embotados são obrigados a tolerar discursos melosos, os sensíveis também devem tolerar as manifestações de impassibilidade.

Eu não me comover com as vítimas do terremoto do Haiti não muda nada a situação dos atingidos. Quem morreu já era mesmo. E o trabalho de encontrar os sobreviventes cabe às equipes de resgate. Quem quiser rezar, que ore. Mas não queira que eu faça a mesma coisa. Não quero manteiga derretida escorrendo em cima de mim.

O mesmo vale para Hebe Camargo e outros doentes de câncer. A coisa é problema de médicos e familiares. Qualquer comentário meu é completamente inócuo.

Só que prefiro tratar da sensibilidade emocional nas situações cotidianas. Recentemente, eu estava em uma das lojas da C&A e com um prima. Ela procurava uma camisola da Barbie para uma filha de uma amiga dela. Uma funcionária da loja se aproximou da gente e perguntou se tínhamos o cartão da C&A. Minha prima respondeu que sim. Eu disse que não. A atendente questionou se eu gostaria de fazer o cartão e obter as vantagens – descontos, prazo e parcelamentos. Falei: “Não. Não gosto das roupas da C&A”. Minha prima desaprovou meu comentário. Disse que a moça poderia ficar chateada.

Meu tom de voz sequer foi agressivo. E a minha falta de apreciação pelos produtos não produzirá efeito nos negócios da C&A. Até porque, pelo que observo, a rede de lojas está aumentando. Quanto à funcionária, faz parte do trabalho dela ouvir comentários negativos. Alguns até raivosos e coléricos, o que não foi o caso do meu.

Outra coisa: os sensíveis não são necessariamente os mais fofos. Pessoas emocionalmente intensas – que se envolvem demais com outras pessoas ou projetos – são capazes de barbaridades quando veem suas expectativas frustradas. A ficção oferece bons exemplos. Um deles é o romance O Pau, de Fernanda Young. O livro descreve um sessão de tortura perpetrada por uma mulher ao namorado, motivada pela descoberto de infidelidade da parte dele. Os casos mais graves são chamados de Transtorno de Personalidade Borderline ou Limítrofe.

Os sensíveis desejam conquistas pessoais, profissionais e amorosas. Eu desejo zombar de tudo isso. É a minha natureza humana.






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