terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A importância da futilidade

Sou ligado em vaidade. É que não tenho disposição para aquela conversa de buscar a essência das pessoas e das coisas. Gosto das aparências. Valorizo bastante a aparência física, do vestuário. Também aprecio outras formas de vaidade. Considero a humildade enfadonha.

Há poucos dias cometi uma descortesia em um grupo virtual. Enviei uma mensagem dizendo: “Será que estamos livres das mensagens de tal pessoa?”. Uma participante - que não era o meu alvo - avaliou minha atitude como “no mínimo deselegante”.

Respondi que não posso ser chamado de deselegante. Uso ternos de corte contemporâneo, mais ajustados ao corpo. Tenho também meus relógios e perfumes de marca. Claro que eu estava sendo irônico. Só que a pessoa levou a sério. Reagiu com a aquela coisa de que o que importa é a essência das pessoas e não o que elas vestem.

Este moralismo da essência não se confirma na realidade. Aparência conta muito.

Em uma seleção de emprego, numa companhia que adota roupas sociais, um candidato trajado de costume cinza-escuro alinhado, camisa azul-clara e gravata preta com listas em cinza, claramente, sai na frente de um outro com terno marrom-claro, camisa amarela amarrotada e gravata vermelha desbotada. Só o Antônio Ermírio de Moraes pode se vestir assim.

E nem precisa ser uma roupa de grife. Basta que ela se pareça com uma de marca.

Quem se veste bem ganha facilidades no cotidiano. Os outros – vendedores, frentistas e outros – pensam que o sujeito tem dinheiro e oferecem um tratamento melhor. Até porque vislumbram uma possibilidade de receberem uma boa gorjeta, como no caso dos atendentes dos postos de gasolina.

Quando se combina beleza e elegância no vestir, fica melhor ainda. Sou míope e recentemente passei a usar lentes de contato em vez de óculos na maioria das vezes que saio de casa. Informação: tenho olhos azuis.

Passei a ter meus pedidos processados e entregues mais rapidamente nas cafeterias que frequento. Vendedoras e alguns vendedores têm sido mais solícitos e prestativos comigo. E constantemente tenho de responder se meus olhos são mesmo azuis ou se são lentes de contato coloridas. Tem mais gente querendo puxar papo comigo, em várias ocasiões.

Gosto mesmo de roupa. Tanto que não curto ver gente pelada. Se alguém está vestido de um jeito que me agrada, não quero que a pessoa tire aquela produção. E, se está malvestida, torço para que ela mude a composição. Eu mesmo reluto em me desmontar quando estou com um look que me deixa bem.

Gente feia e mal-ajambrada é que precisa recorrer à essência. Até porque a oferta para elas é restrita. A não ser que seja rico e os outros saibam disso.

Tudo é aparência. Produtos de luxo têm seus preços determinados mais pelo que aparentam oferecer do que pela qualidade material – embora ela exista, é claro. Pessoas famosas têm suas imagens exploradas.

Tenho um defeito sério. Prefiro o “é” ao “deveria ser”. Por isso adoto e exploro a futilidade.





Marcelo Amaral


e-mail: mcamaral@uol.com.br


blog: www.oinsensivel.blogspot.com


www.twitter.com/marcamaral

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Apologia da vida insossa

O que me vem apresentado como tempero da vida não me cai bem. Faço “Ih” quando alguém começa a pregação sobre ser útil, produtivo e deixar um legado – familiar, profissional e tudo mais.

Já me acusaram de não ser rock’n’roll. A pessoa quis dizer, pelo que entendi, que sou um cara sem iniciativa.

Considero as exortações para ser pró-ativo, na maior parte dos casos, contraproducentes. Quem é travado, vai ficar patético tentando ser um galanteador. Assim como alguém sem tino para os negócios vai se dar mal se quiser ser um empreendedor. Só serve mesmo como burocrata.

A maioria da população é composta de gente feia, de inteligência mediana e pouco talento. A melhor opção é mesmo ser uma pessoa na dela. Não adianta querer ser destaque. Caso contrário, vai para o buraco.

Sobre construir uma família, penso que o único legado garantido que os pais deixam para os filhos é a morte. O resto depende de várias circunstâncias. Alguém pode muito bem trocar as referências dadas pelos genitores e criadores por outras, tipo amigos, colegas, mentores e personalidades.

Meus pais são católicos fervorosos. Eu sou misoteísta. Meus pais adoram comemorações. Eu fujo delas. Meus pais querem um neto. Eu sugeri que eles comprassem um.

Pais caretas podem ter filhos aloprados. Assim como filhos certinhos podem ter pais bizarros. Um filho pode virar um drogado mesmo tendo crescido numa família funcional. Quem sabe um pai alcoólatra tem um filho que só toma leite desnatado.

Pode não se adotar um exemplo claro. Esta última é a que mais me agrada. Não sou chegado a tomar pessoas como modelo. Ninguém é grande coisa. Tanto que critico a cobrança para que artistas e atletas sejam exemplo para os jovens.

É besteira comprar uma ideia de imortalidade por meio de filhos e obra profissional. O sujeito vai ser comido embaixo da terra e não saberá o que será da sua prole ou do seu trabalho.
 
Tanto que os dois únicos livros de autoajuda pessoal e profissional que curti são os da suíça Corinne Maier. O primeiro é Bom dia, preguiça!, com dicas de como enrolar no trabalho. O outro se chama Sem filhos – 40 razões para você não ter. Corinne teve dois, atualmente na adolescência. Disse estar arrependida por ter desperdiçado tempo de sono e lazer. E mais: falou que se fosse para sustentar outras pessoas, teria sido melhor um gigolô.

Quando cogitei cair nessa conversa de condimentar a minha vida, tive gastrite e esofagite. Meu gastro chegou a me indicar uma cirurgia de refluxo. Mas aí tomei Omeprazol e voltei à minha vida besta. A gastrite e a esofagite desaparecem na minha última endoscopia.







Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

blog: www.oinsensivel.blogspot.com

www.twitter.com/marcamaral

























































































terça-feira, 26 de outubro de 2010

Bichos e carência afetiva

Tenho um teste para avaliar o nível de carência de uma mulher. Pergunto se ela tem cachorro ou gato. Se tiver, questiono se o bicho dorme na cama com ela. Uma resposta afirmativa já demonstra que é carente. Só que tem mais. Indago se, além do cão ou do felino, ela também dorme abraçada a um bicho de pelúcia. Se ela me disser que sim, significa que a carência é elevada.

Mas não é só coisa de mulher. Também conheço homens muito ligados a animais. Um desses meus conhecidos até mesmo anda com uma foto da cadela dele no celular. E mostra a imagem para as pessoas.

Pior que não se trata de uma artimanha para pegar mulheres carentes. Tanto ele quanto a mulherada ficam apenas olhando fotos de cachorros e gatos e dizendo “Oh, que lindinho!”. Não acontece nada. O cara não é gay. Nem misógino ou assexuado. É que, pelo que observo, um encontro de carentes não resolve o vazio afetivo dos envolvidos. Pelo contrário. Carência com carência resulta em mais carência ainda.

O excessivo apego a bichos revela muito mais que falta de homem ou de mulher. É uma questão de inaptidão para viver no mundo contemporâneo. Gente que sofre de deficiência temporal. Esse retardado não consegue se adaptar às relações descartáveis, fluidas e transitórias que marcam a hodiernidade. Aí se voltam para os cães. Só porque o cachorro é fiel. Cão não trai. Cachorro não é bom nem mau. Cachorro é só um bicho bobão.

Propagam a idéia de que o ser humano não presta. Desculpa esfarrapada. Incompetência social. Não se enquadram na atualidade e colocam a culpa nos outros. Gente é contraditória. É volúvel. É incoerente. É instável. Se não fosse assim, não seria divertido. Cachorro é fácil de conquistar. Quero ver ter competência para se relacionar com humanos, que são seres multifacetados.

O ideal de sociedade lineares e estáveis já era. A segurança de um mundo ordenado pela religião ou pela razão não existe mais. A segurança foi trocada pela liberdade. O que considero excelente.

O indivíduo não precisa mais se fechar em identidades e comportamentos estanques. Pode ser heterossexual em determinado momento. Depois, passa para homossexual. Daí para bi ou pansexual. Volta a ser heterossexual. Aí resolve curtir uma fase assexuada. Está tudo em aberto.

Tem mais. Pode escolher entre namoro ou casamento tradicional e formas mais pós-modernas como relações abertas e casuais. Outra coisa: não há mais espaço para relacionamentos que não privilegiem a individualidade dos parceiros. Os controladores e ciumentos vão terminar mesmo cercados de cães e bichanos.

Outro exemplo: há possibilidade de optar entre diversos produtos culturais. Ninguém mais precisa ficar preso a rótulos de alta cultura e cultura pop. Dá para aproveitar tanto coisa cabeça como de mero entretenimento.

Não sou partidário de que tudo precisa ter raízes. De que tudo tem de ser profundo. Que nada. Há pessoas que servem para passar apenas uma noite. Outras funcionam bem para relacionamentos utilitários, como contatos profissionais. Tem gente que é boa para um papo e ruim para sexo. E

Gente linear é sem graça ou fanática. Gente reta é intolerante. E o fanático pode se tornar violento. Terroristas muçulmanos cometem atentados porque não suportam a liberdade de costumes do Ocidente. Carolas impedem a materialização de direitos civis – eutanásia, união civil de pessoas do mesmo sexo e aborto, por exemplo – porque isso vai acabar com o mundo de Deus. O mundo como eles querem que seja adotado por todos, não apenas pelos adeptos de determinado credo.

Mas existe saída para os que não conseguem lidar com a insegurança, a fragmentação e a volubilidade do mundo atual. Trata-se do suicídio. Não há porto mais seguro para o indivíduo contemporâneo do que o cemitério. E dá para pedir que enterrem o cachorro ou o gato junto.









*Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

blog: www.oinsensivel.blogspot.com

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Eleição do aborto

Faz tempo que não ligo para política eleitoral. Prefiro temas comportamentais. Como o tema do aborto entrou no pleito presidencial de 2010, resolvi acompanhar a disputa. Até para ver qual candidato ficará mais patético ao tentar agradar o eleitorado carola.

Os dois postulantes à Presidência da República estão fazendo papelão com esse papo de defesa da vida.

Dilma Rousseff soa falsa ao se dizer, neste momento, contrária à descriminalização, quando havia se declarado favorável anteriormente.

José Serra não tem traquejo para tratar de assuntos de comportamento. O que ele disser sobre aborto será inócuo eleitoralmente. Só sabe falar de números e administração.

Aborto e religião conferem um caráter jeca à corrida presidencial. Exceto nos Estados Unidos, por conta da caipirada que constitui o “cinturão da Bíblia”, nos países mais avançados a fé não entra decisivamente nas disputas eleitorais. E o Brasil, que posa de nova potência, de um dos futuros líderes globais, está passando um recibo de atraso.

As posições de Dilma e Serra sobre aborto são irrelevantes para o exercício do cargo de presidente do Brasil. O que importa para eleger o principal mandatário do País são as questões chatas. Exemplo: propostas de governo e de onde sairá o dinheiro para realizá-las. E isso não apareceu nessa campanha. Política externa foi outra coisa importante que ficou de fora.

Sou favorável à descriminalização do aborto. Defendo uma legislação nos moldes da que vigora nos Estados Unidos. Até 12 semanas de gestação, a mulher pode procurar um serviço de saúde e abortar.

Entendo que feto não tem acesso a direitos. Defesa da vida vale para os que saírem das barrigas de suas respectivas mães. É mais conveniente. Foco nos que nascerem. Antes disso, cada grávida decide o que fazer com aquilo que carrega.

Seria mais interessante uma campanha em que surgisse um candidato abertamente favorável ao aborto. Não seria eleito para um cargo majoritário, num primeiro momento. Mas poderia ganhar para deputado federal, estadual ou vereador.

E agitaria o pleito. Animaria mais disputa, que já conta com figuras como os deputados federais eleitos Tiririca e Romário, além de outras celebridades que resolvem virar políticos.

Poderia ir além do aborto. Defender eutanásia, por exemplo. Outro tema que alfineta os crentes é a união civil de homossexuais. Só que esse tem gente que já defende publicamente. Mais ainda: cobrança de impostos de igrejas e quaisquer outras instituições religiosas. Tratá-las como empresas de aconselhamento, recolhendo delas os tributos que incidem sobre prestadoras de serviço. Vai causar.

Se a partir de agora todo candidato adotar um discurso para agradar os cristãos fervorosos, sobretudo os evangélicos, as eleições ficarão mais aborrecedoras do que já são. Tem de haver um contraponto para ter alguma graça.

Tudo bem que o aborto é tema de saúde pública. Mas, antes disso, é assunto de comportamento. Melhor que fique fora de campanha política. Até porque não será debatido adequadamente numa disputa eleitoral. Os candidatos precisam bajular o eleitorado. Não poderão contrariar o pensamento majoritariamente conservador cultural.




Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

blog: www.oinsensivel.blogspot.com

www.twitter.com/marcamaral

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Geração imprestável

Sou preguiçoso, desligado e não estive à frente das grandes transformações socioculturais da História recente da Humanidade. Foi o que ouvi sobre mim por fazer parte da Geração X, gente nascida entre 1960 e 1980.

A glória do passado está com os Baby Boomers. Esse pessoal nascido após a Segunda Guerra Mundial conquistou a liberdade desfrutada atualmente. Foram aos Baby Boomers que fizeram a revolução sexual. Se hoje não se condena uma transa casual, por exemplo, é graças a eles.

Lutaram contra regimes autoritários em várias partes do planeta. Se bem que uns fizeram parte de ditaduras ou, pelo menos, tinham intenção de implantá-las.

A Geração X é acusada de não ter feito nada. Apenas aproveitou o obtido pelos Baby Boomers. Quando foi às ruas, como no caso dos adolescentes cara-pintadas que participaram de manifestações contra o Governo Collor em 1992, era mais por diversão do que consciência política. Bom lembrar: Collor saiu.

Como de costume, esquecem de atentar para o óbvio. Cada tempo tem suas respectivas demandas. Quando a turma da Geração X chegou à idade adulta não fazia sentido nenhum ficar não embate entre socialismo e comunismo versus capitalismo, por exemplo. Isso já estava superado. Sabia-se que lado havia prevalecido.

No aspecto cultural, restava mesmo era gozar as liberdades que se ofereceram. As coisas apenas caminharam.

O mérito na atualidade cabe à Geração Y. Trata-se da garotada – de 1980 a 2000 – viciada em tecnologia. Eles são eletrônicos. Lançam novas idéias e criam novos negócios.

Não seguem regras antiquadas de administração, como respeitar a hierarquia. Não usam terno e gravata.

Atuam politicamente. Não de forma partidária. Mas sim por intermédio de ong`s e demais coisas sob o rótulo de trabalho social. Assim, estão empenhados na preservação do meio ambiente e no combate às mazelas sociais. Fazem um mundo melhor.

Claro que as divisões geracionais são ferramentas de marketing. Beleza. Gosto delas. Sou chegado em rótulos. Eles fornecem bom material para discussões e sátiras.

Só que nenhuma geração tem mérito ou demérito. As pessoas vão agindo conforme as circunstâncias de apresentam.

Depois de ter sido apontado como um dos culpados pela última crise financeira global – Lula disse que a responsabilidade era de gente de pele clara e olhos azuis -, agora dizem que pertenço a uma geração imprestável.

Ainda bem que emagreci. Só faltava ser gordo para completar minha coleção de credenciais pouco lisonjeiras da atualidade.





Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

blog: www.oinsensivel.blogspot.com

www.twitter.com/marcamaral





































terça-feira, 14 de setembro de 2010

Costume negativo

Incomoda-me na cultura brasileira das relações cotidianas a condenação a dizer “não”. Falar “não quero” ou “não vou” quando de uma oferta ou convite é visto como indelicadeza.
 
Há poucos dias fui convidado por uma prima para a festa de aniversário dela. Tinha de ir fantasiado. Agradeci o convite. Só que falei: “Não vou”. Ela me perguntou por quê. Respondi: “Não estou a fim. E não quero me preocupar em ir atrás de fantasia”.

Minha prima ficou chateada. Disse que eu precisava a aprender a me divertir. Continuei a negar minha ida. Até porque eu é que sei o que acho divertido para mim. No caso, foi ficar em casa vendo jogos de futebol e, mais tarde, GNT Fashion e o O Índice da Maldade.
 
No meu pensamento de gente esquisita, é pior inventar uma desculpa. Denotaria mais desprezo do que falar na lata que não quer fazer algo. Não fui desta vez. Mas posso querer ir noutra ocasião. Só que se não quiser me convidar mais, tudo bem.

Esta é a minha utopia: relações pessoais – no Brasil – mais fluidas, simples e diretas. Tem mais: festa de aniversário é coisa para criança. Depois dos 10 anos de idade, para mim, torna-se um problema emocional querer celebrar a data de nascimento. Requer tratamento.

Já ouvi diversas explicações sobre o “não” ser ofensivo entre brasileiros.

Uma antropológica diz que o brasileiro valoriza a sinuosidade. Exemplo: mulheres com curvas. E, como consequência, os discursos tendem a ser mais desviantes, em comparação ao jeito direto de povos como o alemão e o norte-americano.

Outra teoria, de cunho sociológico, especula que a rejeição ao “não” vem da formação do Brasil. É que as relações pessoais no Brasil se estabeleceram – e isso ainda perdura – por cordialidade.

Este conceito de cordialidade se refere ao coração, a ser chegado. Tanto que nepotismo e levar para “sua” patota para ocupar cargos públicos são práticas ainda comuns na vida brasileira.

Aí, por conta dos laços pessoais, fica essa coisa de evitar magoar o outro. Deixa-se de proferir um “não” categórico para não perder o lugar em alguma turma.

Considero que as duas hipóteses têm alguma pertinência. E penso que essa mania de querer ser gente boa acarreta em problemas para o Brasil.

Os exemplos são múltiplos. O sistema judiciário brasileiro é enrolado e procrastinador. Adota uma linguagem pernóstica e prolixa. Se fosse mais direto, dizendo não a diversos recursos, as decisões da Justiça poderiam ser mais céleres.

Há também a burocracia que emperra a abertura e desenvolvimento de negócios. Daí se recorre a uma relação cordial – que muitas vezes é comprada – para que um parente, amigo ou conhecido arrume um documento em algum órgão público. Se fosse dito não a toda papelada requerida, tudo seria mais rápido e funcionaria melhor.

Acho ainda que o não se aplica muito bem às relações cotidianas. Observo que muitas vezes os relacionamentos ficam tensos porque uma das partes não consegue falar “não” à outra.

É um companheiro que faz várias concessões ao parceiro, achando que pode magoá-lo. Coisas como acompanhar o outro em várias exposições de arte, quando queria estar em casa vendo televisão. Só que chega uma hora que a pessoa que faz as concessões não aguenta a pressão e explode.

Daí o parceiro beneficiado pelas concessões se sente enganado. Isto porque achava que o companheiro gostava de fazer a mesma coisa que ele. Não percebia que se tratava de fingimento. Pode virar uma guerra.

Como já não sou apreciador de outros símbolos culturais brasileiros, tipo caipirinha, feijoada e samba, sinto-me liberado a continuar a dizer “não”.





Marcelo Amaral


e-mail: mcamaral@uol.com.br


blog: www.oinsensivel.blogspot.com


www.twitter.com/marcamaral




































terça-feira, 31 de agosto de 2010

Problemas da paixão

Não sou afeito a relacionamentos amorosos. Pessoas apaixonadas – exceto para seus parceiros de paixão – se tornam maçantes. Mas leio, ouço e vejo coisas sobre o tema. Até para poder atestar que não sou do ramo. Também fico com munição para participar de conversas acerca do assunto, principalmente se for para alfinetar os outros.

Tive um papo recente sobre paixões com duas mulheres que foram minhas colegas de faculdade. Ambas se reconhecem como altamente passionais. Não apenas no aspecto romântico, mas em tudo. Elas precisam de paixão no trabalho, nos estudos e quaisquer outras esferas da vida.

São três questões que me entediam nos passionais. A primeira delas é que eles ficam monotemáticos. Só pensam na outra pessoa – se bem que pode ser também um ideia, uma causa ou, pior ainda, um animal.

Culpa da dopamina e da norepinefrina, substâncias produzidas pelo organismo que dão foco e fixação, conforme descreve o livro Por que amamos?, de Helen Fischer, antropóloga norte-americana que realiza pesquisas, em conjunto com neurocientistas, sobre relacionamentos amorosos. Isso tudo para favorecer o acasalamento e a reprodução.

Outra coisa: passionais e sensíveis se acham dotados de superioridade moral. Arrogar-se superioridade moral já é brega. Em combinação com paixão amorosa, fica mais piegas ainda. É que eles se acham mais humanos, por viverem fortemente as emoções. Assim, julgam-se mais compreensivos e éticos que os demais.

Por conta disso, querem pautar as relações. Impõem um jeito tatibitate na comunicação. Exigem demonstrações de paixão o tempo inteiro. Tem de ser do jeito deles. E pior: não aceitam questionamentos. Só eles podem criticar. Claro, eles são sensíveis, então são superiores e sabem o jeito certo de se comportar num relacionamento. É sufocante.

Aí vem o terceiro aspecto que me chateia no passionalismo: o receio de falar de forma direta. As pessoas normalmente evitam certos assuntos e tons para não ferir as suscetibilidades do sujeito sensível. Isso acaba com o humor, principalmente.

O engraçado é que quando a coisa degringola – um rompimento, uma paixão não correspondida – o friozão aqui vira modelo. As minhas duas colegas de faculdade disseram que gostariam de comprar um pouco dos meus genes, uma vez que sofrem muito com tanta intensidade emocional.

Por isso que esse papo todo de encontrar alguém não me pega. O que as pessoas querem mesmo é a autossuficiência emocional.

Quem não tem tal capacidade, pode recorrer a outro livro de Helen Fischer. Chama-se Por que ele? Por que ela? e trata das personalidades humanas – de acordo com bases químicas, como em Por que amamos? – frente aos relacionamentos amorosos.

Helen Fischer mostra no livro que os Negociadores – forma como ela denomina os passionais - se sentem mais atraídos pelos Diretores, tipos mais objetivos, diretos e menos expressivos emocionalmente. Seria a uma busca por complementaridade em relação ao nhenhenhém deles, os Negociadores.

Não acredito nesse lance de complementar. Indivíduos passionais nunca ficam satisfeitos por muito tempo, pelo que observo. Querem que os outros entrem na mesma pilha deles, sendo tão amorosos e devotados como eles, Negociadores, acreditam ser. Penso que só dá certo com outro passional, que pode compreender melhor e aceitar tanta carga emocional.

Sempre sou questionado quando vou arrumar uma namorada. Respondo que namoro é caro. Jantares, cinema e presentes levam muita grana. O melhor investimento é a solidão. Tem mais: relacionamento engorda.




Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

blog: www.oinsensivel.blogspot.com

www.twitter.com/marcamaral

terça-feira, 17 de agosto de 2010

História de pobre

Tenho uma preguiça monstruosa em relação a empreendedorismo social e histórias de superação. Pior ainda quando isto em é exibido em programas de televisão.

Vi algumas chamadas da série Brasileiros, exibida recentemente pela Globo. Sei que tinha, por exemplo, a história de um bailarino, discriminado pelo pai por ter escolhido esta atividade, que resolveu abrir uma escola de dança clássica na cidadezinha onde nasceu. Assim como outra de um grupo de mulheres jovens que constituíram um fundo de microcrédito em um lugar pobre.

Duvido de um possível efeito multiplicador entre os telespectadores. Penso que ninguém vai se tornar empreendedor social por conta de um programa como este Brasileiros.

Só terá impacto entre as pessoas com propensão à benevolência. Entre aqueles que já ajudam – com trabalho e dinheiro, ou os dois - uma instituição de caridade ou fazem doações diretas. Mas não vai transformar um individualista e egoísta como eu em um altruísta militante e ativo.

O que me chateia neste tipo de coisa é que cria um clima de obrigação de ser solidário. Querem fazer com o não-doador ou não-voluntário se sinta constrangido. E aí vem aporrinhação.

Reclamam do telemarketing de bancos, empresas de cartão de crédito, telefônicas e editoras de revistas. Essa gente enche mesmo o saco. Mas os telepedintes de instituições beneficentes são mais chatos ainda.


Quase que diariamente liga para a minha casa um representante de alguma APAE. Mesmo que seja dito – polidamente - que não é possível ajudar, eles insistem. Apelam para as necessidades das crianças deficientes.

E, pior ainda, alguns deles chegam a mostrar indignação por ter a doação – em dinheiro, umas não aceitam alimentos, querem a grana, claro – negada. Justamente em virtude da tal obrigação de ser solidário que vigora atualmente.

Comigo tem o efeito contrário. Quanto mais insistência pela caridade, menos disposição eu tenho em ajudar. Tanto que nunca liguei para o Criança Esperança.

Já não sou mais cortês com os arrecadadores de dinheiro para beneficência. Digo simplesmente que não vou ajudar porque não quero. E que não fico com a consciência pesada por causa disso.

Assim como despacho os bancos, cartão de crédito, operadores de telefonia e editoras. Mas não é porque tem fim social que pode encher o meu saco com pedidos e supostas lições de moral, ética e solidariedade.

Claro que sou idiossincrático. Para mim, benevolência é um adendo e não um compromisso. Não curto as noções de bem comum, Humanidade e coisas parecidas.

Só que há muito de ridículo nesse fascínio por história de pobre. Isso é conversa de cientista social ultrapassado. O mundo é muito mais complexo do que uma divisão entre pobres – puros e bons – e exploradores.

O mais importante: futebol dá mais audiência que Brasileiros e o show do Criança Esperança.

 


Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Crentes, evangélicos e antipatizantes

Evangélicos neopentecostais famosos deram para se dizer perseguidos. Kaká e Jorginho, auxiliar técnico da Seleção Brasileira na gestão de Dunga, declararam contar com antipatia de parte da imprensa em virtude da religião.

Jorginho pediu respeito por ser cristão. O contexto foi o seguinte. Após a eliminação do Brasil na Copa de 2010, a imprensa esportiva apontou Jorginho como mentor do regime militar – muita concentração, pouco contato com a mídia e torcedores – adotado pela Seleção Brasileira na África do Sul. E entre as questões levantadas estava um possível favorecimento aos evangélicos no time brasileiro.

Exemplo: Jorginho levou para a comissão técnica um observador, Marcelo Cabo, considerado inexperiente para a função de estudar os adversários da equipe brasileira. Apesar da pouca rodagem, Cabo teria sido levado por ser da mesma igreja de Jorginho. O ex-auxiliar disse que a escolha não tinha a ver com religião. Daí a história de ser perseguido e pedir o tal respeito.

Kaká também quer ser respeitado, assim como ele, segundo o próprio, respeita os ateus. O alvo de Kaká foi o jornalista Juca Kfouri, crítico contumaz do merchandising religioso de alguns jogadores.

Tenho problema com a ideia de respeito quando se trata de crenças e opiniões. Expor desaprovação e contrariedade em relação a um credo religioso não constitui desrespeito.

Falta de respeito seria impedir que alguém exerça sua fé. Kaká não tem sido proibido de comemorar os gols apontando os dedos indicadores para cima, olhando para o céu e dizendo “Obrigado, Senhor”. Jorginho também pode rezar o quanto quiser. No ambiente do futebol ou fora dele.

Os evangélicos despertam, sim, antipatia em algumas pessoas. Algo totalmente cabível em função do comportamento e das estruturas de comunicação de massa que possuem.

Neopentecostais são fervorosos. As demonstrações de fé são efusivas. É sempre “Jesus, isso” e “O Senhor aquilo”. Possuem espaços e redes de televisão para divulgar em larga escala sua doutrina e para fazer proselitismo. Elegem bancadas legislativas para aprovar leis – como benefícios fiscais às igrejas – e barrar outras.

E é claro que um segmento com o poder – cada vez maior – político e midiático alcançado pelos evangélicos chateia muita gente. Assim como acontece com grandes empresas, instituições e pessoas muito presentes.

Os futebolistas são expoentes do neopentecostalismo no Brasil. Então, que aguentem os desdobramentos disso. Serão queridinhos de seus colegas de fé, mas desaprovados por outros.

Não é todo mundo que vai achar graça nos jogadores comemorando títulos vestindo camisetas com a inscrição a “I belong to Jesus” em vez das camisas dos clubes ou seleções.

Tanto que a Fifa tratou de enviar um comunicado às seleções – tendo como alvo principal o Brasil –, antes da Copa do Mundo da África do Sul, pedindo que atletas não exibissem mensagens comerciais, políticas e religiosas durante os jogos do Mundial. Não o fez de forma de peremptória para não caracterizar cerceamento de liberdade religiosa.

Ser evangélico neopentecostal ainda é coisa de pobre no Brasil. Mesmo que tenha conquistado adeptos entre membros das classes mais abastadas, este segmento ainda é visto como muito povão. E quem tem mais dinheiro e instrução ao virar evangélico acaba por receber a pecha de bobo. Alguém que se deixa enganar por pastores que querem apenas enriquecer.

Não importa se o rótulo é injusto. Funciona assim: ser evangélico, no Brasil, ainda é falta de gosto. Mesmo com Kaká sendo originalmente de classe mais alta, ter aparência de galã e se vestir com roupas de Giorgio Armani.

Fica sendo o tonto que dá milhões de euros aos donos – que foram presos nos Estados Unidos e respondem vários processos no Brasil - da igreja Renascer em Cristo. E que ainda defende os pastores, dizendo que são vítimas de campanha orquestrada pelo Inimigo.

Evangélicos não são perseguidos. Eles que é perseguem os outros com tanta pregação. E aí, claro, despertam muita antipatia.






Marcelo Amaral


e-mail: mcamaral@uol.com.br

www.twitter.com/marcamaral

terça-feira, 20 de julho de 2010

Natureza de morte

Encaro a maldade como natural. Sou apreciador de séries e livros policiais que tratam de psicopatas e criminosos brutais. E, por estar familiarizado com a coisa, não me choco com crimes hediondos que se tornam casos de grande repercussão. Tento é estabelecer conexões com o que vi e li em programas e textos.

Segundo Martha Stout, psicóloga norte-americana e autora do livro Meu vizinho é psicopata, cerca de 4% da população humana é composta de indivíduos com personalidade antissocial. Gente que não se importa em causar sofrimento aos outros.

Nem todo psicopata é assassino ou mandante de homicídio. Segundo a mesma Martha Stout, em torno de 1% do total de sociopatas chega a matar.

Entre as séries em estilo de documentário sobre assassinos, minha preferência fica com O índice de maldade, do Discovery Channel. É apresentada pelo psiquiatra forense norte-americano Michael Stone, criador de uma escala que vai de 1 a 22 para classificar os matadores brutais.

Agrada-me o tom sóbrio e intelectualmente especulativo do doutor Stone, em contraste com sensacionalismo e tom salvador empregado em outras produçõs. Apesar do nome O índice da maldade – o original em inglês é Most Evil -, não tem histeria nem falsas promessas de encontrar um ser humano melhor.

Destaco as entrevistas que o psiquiatra faz com assassinos em série. Exemplo: Tommy Lynn Sells, que está no nível mais alto da escala de Stone. Sells matou cerca de 70 pessoas. O número pode ser ainda maior. Matava indiscriminadamente: homens, mulheres e crianças. Jovens e idosos. Variava também o método.

De maneira sóbria, o doutor leva o assassino a contar sobre o prazer de matar. Sells declara que a sensação de enfiar uma lâmina em alguém é, para ele, como uma droga. Ainda é irônico. Fala que prefere facas a armas de fogo, pois estas últimas são perigosas. E revela, claro, a falta de remorso.

Uma figura assim é mais interessante de ouvir do que os considerados bonzinhos. Eles estão fora do esquema das pregações sobre ética e moralidade. E aí viram personagens interessantes. Não dá para aguentar o tempo inteiro o nhenhenhém sobre ser do bem.

Maldade é fascinante. Basta ver o sucesso de personagens como Hannibal Lecter, o psiquiatra refinado e canibal, criado pelo escritor norte-americano Thomas Harris.

Não sou muito dado a rever filmes. Mas O silêncio dos inocentes eu já vi várias vezes para curtir a forma como Lecter provoca e manipula a mente de Clarice Starling, a agente novata do FBI que vai entrevistá-lo em um manicômio judiciário. O médico troca informações e opiniões que podem levar à captura de um assassino em série pelos segredos e medos de Starling.

Eu preferiria entrevistar um psicopata assassino como Tommy Lynn Sells do que uma freira. Assim também como me aconselharia com Hannibal Lecter. Claro que em ambiente controlado.

Pelo que as neurociências descobriram até agora, não há tratamento para sociopatia. Menos ainda para os assassinos. Só param quando presos – embora ainda possam matar na prisão - ou mortos. Então, só resta contar com a existência natural da crueldade.



Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

terça-feira, 22 de junho de 2010

Nada tradicional

Não sou simpático a tradições. Refiro-me mais especificamente a manifestações culturais como músicas regionais, danças e festas. O mais chato é que o rótulo de tradicional leva a uma imposição de curtir e participar de eventos. Se eu digo que não gosto, logo alguém pede respeito a antigos costumes.

É o caso de festa junina. Mesmo há muito declarando que não aprecio esse tipo de coisa, pessoas insistentes ou que pouco me conhecem ainda me convidam para alguma quermesse em junho e julho. Respondo a tais convites dizendo que não me atrai ficar em um ambiente que remete a caipirice. O mundo atual é urbano. E eu gosto disso. Áreas rurais servem para produzir alimentos e outros tipos de produtos para os consumidores das cidades.

Se bem que o rótulo de caipira tornou-se positivo. Aquela coisa da globalização: ao mesmo tempo em que espalha comportamentos similares para várias regiões do planeta, também aguça sentimentos provincianos. E caipira virou marca de pureza e generosidade frente ao suposto narcisismo e egoísmo dos habitantes das metrópoles.

É um clichê. A despeito da gritaria antiglobalização, ela possibilita mais contato entre culturas. Possibilita que as pessoas montem seus cardápios de identidades e estilos. As escolhas podem ser utilitárias – assumir-se índio para obter benefícios legais, por exemplo – ou por gosto. E, desta forma, certos costumes se chocam. Uns permanecem. Outros se modificam. E há os que morrem.

Tradições não precisam ser necessariamente preservadas. O fato de ser um costume antigo que atravessa gerações não garante nada. Se uma tradição tiver que ser esmagada, por força de mercado, que seja.

Exemplo: música sertaneja de raiz. Raiz é outro termo empregado para ganhar simpatia. Não tenho pena dos velhinhos caipiras de vozes esganiçadas que não conseguem mais espaço para seu tipo de música.

Já era. Muitos consumidores não querem saber deles. Colocaram no lugar o gosto pela música brega ou o sertanejo das duplas, com instrumentos eletrônicos e cantores com roupas apertadas e cabelos arrumados. Moda de viola fica para os saudosistas.

Festa junina de novo. Sei que é uma tradição que ainda sustenta. Muita gente me diz que vai por causa das crianças. Porque o filho, sobrinho ou afilhado vai dançar quadrilha. Mas adulto urbano se vestindo de caipira é demais.

Curto as tradições quando elas são superadas. Gosto de ouvir “antes tinha isso e aquilo, mas agora não tem mais”.





Marcelo Amaral

e-mail: mcamaral@uol.com.br

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sentimentos coletivos

Gosto muito de futebol. Só que não me empolgo com Copa do Mundo. Curto os jogos. Fico ligado nos confrontos entre as principais seleções e jogadores. Mas o clima de patriotismo em torno da Seleção Brasileira me chateia.

Sou um tipo refratário a nacionalismo, ideologia e religião. E só me interesso por sentimentos e características individuais. Acho aborrecida essa coisa de falar em dor e alegria coletivas decorrentes de derrotas e vitórias de uma equipe de futebol.

Exemplo. Toda vez que há um jogo entre Brasil e Uruguai, muitos programas e comentaristas esportivos lembram a derrota brasileira por 2 a 1 na final de Copa do Brasil, em de 1950. Ouvi um dos analistas, Carlos Eduardo Lino, do canal fechado Sportv, que aparenta ter nascido bem depois de 1950, chegou a dizer que é uma dor que passa de geração para geração. Como assim? Não tenho nada que ver com aquilo.

Não consigo entender como sentimentos, sejam de que tipo for, possam ser transferidos. Cada pessoa reage de forma diferente perante aos acontecimentos que vivenciam. Tem gente vive um período de luto de forma calada. Outro sujeito se abala profundamente e entra em depressão. Mas um terceiro resolve se envolver em diversas atividades, para ocupar a cabeça e esquecer a perda.

Uns combatem numa guerra ou são vítimas de sequestro e acabam por desenvolver um quadro de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Outros, não.

Por isso que também me incomoda o papo sobre o sofrimento vivido por povos. Não tenho mais saco para o Holocausto, por exemplo. Claro que foi terrível. Muitos judeus foram alvos de grandes atrocidades. Só que os judeus que conheço – que não foram vítimas do Holocausto – não estão presos ao que aconteceu no período nazista na Alemanha. Estão aí tocando suas vidas, plenamente integrados aos contextos sociais e profissionais nos quais estão inseridos hoje.

Um executivo judeu que conheço está preocupado com os resultados da empresa ou área que gerencia, não com os campos de concentração. Ele vive em outro tempo. Pode até ter ouvido seus avós contarem histórias sobre o Holocausto, mas não dá para dizer que esta pessoa de 30 e poucos anos tem a marca do suplício imposto a muitos judeus no regime de Hitler. Não sei de nenhum judeu nascido após a Segunda Guerra que esteja emocionalmente travado nos dias atuais por conta do Holocausto.

Voltando ao futebol. Não faz sentido colocar todo mundo na mesma trip. Há sim gente que se abala com uma derrota da Seleção Brasileira em Copa do Mundo. Mas existem os que não ligam. Mais ainda: algumas pessoas não gostam de futebol, não embarcam na onda de patriotismo e detestam o período de Copa.

Ouvi um relato de uma mulher que saiu para a passear com o cachorro enquanto o Brasil jogava e ganhava da Alemanha na final do Mundial de 2002, disputado na Coreia e no Japão. Não dá para dizer que alguém assim vai sentir a dor de perder a final da Copa de 2010 para a Argentina, caso isso ocorra.

Não sou fã de coisas que levam o rótulo de coletivo. Pior ainda quando se trata de sentimentos. É inadequado. Impreciso. Além de brega, é claro. Muito kitsch esse lance de pátria de chuteiras.

Pensão moralista

Querem agora regular as relações afetivas e sexuais entre as pessoas. Tramita no Congresso Nacional brasileiro um projeto de lei que diz o seguinte: amante que se tornar pivô de uma separação conjugal terá de pagar a pensão alimentícia da pessoa casada com quem se relacionou. Sim, esposa ou marido traído ficará livre de sustentar a ex.

O conceito do projeto de lei é reacionário. Acaba por reinstituir o adultério como crime. Não duvido que apareça algum moralista hidrófobo defendendo punição até maior para o cônjuge traidor e o amante.

Acontece que se o tal projeto se transformar em lei não terá eficácia. As pessoas não deixarão de viver relações fora do casamento por conta desta possível sanção financeira. Por mais que mexer no bolso seja um grande elemento de dissuasão, os afetos e o sexo são mais complexos que isso.

Mais: o projeto é também retrógrado ir na direção contrária à tendência atual de maior diversidade de relacionamentos. As pessoas casam e descasam com mais facilidade. Foram tomadas medidas que deram mais celeridade nos processos de divórcio.

Outra coisa. Traição e fidelidade sexual são conceitos que se tornarão obsoletos. É uma questão de direitos civis. Cada um que se vire seus sentimentos e desejos.

Defendo que a possibilidade do cônjuge se engraçar com outras pessoas faça parte dos riscos envolvidos em um casamento. Assim como quem faz uma aplicação financeira pode perder a grana.

Há também casos de pedido de indenização por danos morais em virtude de infidelidade conjugal. Outro retrocesso. Mais uma impropriedade.

Exemplo: alguém que é demitido e trocado por outro funcionário em uma empresa pode ficar mal. Talvez necessite de tratamento psicológico. Mas ela não pode requerer uma indenização por danos morais contra o empregador. O dispensado receberá o que observam as leis trabalhistas.

Pior ainda é punir o amante. Se não respeitar a exclusividade sexual caracteriza quebra de contrato, quem descumpriu a cláusula foi o cônjuge que arrumou um caso. Ele que se vire com o marido ou a esposa. O amante tem de ficar fora disso.

Quer dizer então que se eu deixar de pagar prestações de um automóvel para quitar uma dívida imobiliária, quem me vendeu o apartamento vai ter de ressarcir o banco – traído por mim ao deixar de realizar o pagamento - que financiou meu carro? É melhor não dar ideia.

A regulamentação do casamento tem a ver com família, não com sexo. Serve para estabelecer parâmetros sobre construção e divisão patrimonial. Assim como responsabilidades com filhos menores de idade, caso eles existam. Fora isso, ninguém é de ninguém.

terça-feira, 23 de março de 2010

Espiritismo e cultura

Sou de classe média e há um bom número de espíritas nos círculos que frequento. Uma coisa me chama atenção: são, na média, pessoas de bom nível financeiro, mas culturalmente medíocres. Ou, se sabem bastante de alguma coisa, são péssimos comunicadores.

E o engraçado é que o espiritismo se vende como científico. Muitos dos adeptos com quem tenho contato falam que se trata de uma religião de conhecimento.

Quero saber como encontrar esta cientificidade. Falar em aprimoramento moral do espírito ao longo de várias vidas - tipo biologia evolucionista - é bobagem. Para ser científico tem de testar e comprovar.

Outra coisa que me intriga no espiritismo é o fato só ter alguma relevância no Brasil. Acompanho discussões sobre religião no mundo – no meu caso, com mais ênfase nos detratores da fé – e não vejo menção ao kardecismo.

Richard Dawkins, biólogo britânico e militante ateísta, apresentou uma série de documentários – exibida no Brasil pelo GNT, em 2009 - ouvindo vários líderes religiosos. Tinha católico, luterano, anglicano, batista, muçulmano xiita e sunita, judeu ortodoxo e mais liberal, até xintoísta apareceu. Mas nada de espírita. Se Dawkins não ataca, é porque não importa.

A explicação mais fácil é a de que as classes média e média-alta brasileiras não são cultas se comparadas com as de outros países, principalmente os mais desenvolvidos. Por isso abraçam a crença espírita, que fica sendo religião de gente com dinheiro mas sem repertório.

Mas recentemente vi no Canal Universitário de São Paulo uma entrevista de Edênio Valle, padre e professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP. Valle pesquisa a relação entre psicologia e religiosidade. Na entrevista, ele disse que a Conscienciologia – uma doutrina filhote do espiritismo kardecista – se expande entre as classes mais altas da Europa e dos Estados Unidos. Esta tal de Conscienciologia se promove como ciência e diz estudar acontecimentos extracorpóreos.

Mais ainda: o professor da PUC-SP também ressaltou aquela minha percepção de que o nível cultural dos espíritas é de médio para baixo. Só que não sei quais motivos têm levado pessoas mais endinheiradas do mundo a entrarem na onda do espiritismo.

Os espíritas não são proselitistas chatos como evangélicos. Mas tem rolado uma encheção por conta do centenário de nascimento de Chico Xavier, símbolo da crença. Fica aquele nhenhenhém de exaltação da figura de Chico Xavier, que doou todos os direitos autorais sobre as vendas de seus livros para caridade.

Não tenho simpatia por abnegados. Se fosse para seguir alguém, seria gente que vive no luxo e no conforto. E claro que eu considero a doutrina espírita furada e absurda. Nada particular. Trato as demais religiões com o mesmo desprezo.

Sempre achei que copos não deveriam ser desperdiçados naquela brincadeira de chamar os espíritos.



Marcelo Amaral
e-mail: mcamaral@uol.com.br
blog: www.oinsensivel.blogspot.com
www.twitter.com/marcamaral






sábado, 13 de março de 2010

Conferência


PALESTRA
DEJE
DEBOCHE, EGOLATRIA, JACTÂNCIA E ESNOBISMO


DEBOCHE – O prazer da zombaria

- ERE – Escarnecer, Ridicularizar e Embaraçar
- Ironia e sarcasmo como forma de deleite
- Chegar ao êxtase pela provocação
- A importância de ser politicamente incorreto
- Iconoclastia: destruir reputações e mitos
- Deboche sensual: vida devassa e voltada para os vícios

EGOLATRIA – Eu sou a medida de tudo

- Liberalismo pessoal: eu precedo o coletivo
- Apologia do egoísmo/egocentrismo
- Orgulho
- Hedonismo: o prazer imediato é o que vale
- Consumir para satisfazer-se
- Tirar proveito das fraquezas e paixões dos outros

JACTÂNCIA – Modéstia é coisa dos fracos

- Vaidade é vida
- Cabotinismo: atrair as atenções
- Ser poderoso pela arrogância
- Imodéstia como instrumento de sex appeal

ESNOBISMO – A satisfação do desprezo

- A força do sentimento de superioridade
- A graça de humilhar
- Eu sou o padrão de gosto elevado
- Seduzir para esnobar

terça-feira, 9 de março de 2010

Sem bondade

Não tenho simpatia por muitas convenções sociais. Uma das que não aprecio é a saudação “bom dia”, “bom tarde ou “boa noite”. Não me vejo com a obrigação de desejar que o dia seja bom para alguém. Se vai ser bom ou ruim, problema de cada pessoa. Melhor ainda: problema de que como a mente de cada indivíduo vai processar os acontecimentos.

Ouço gente reclamar que subiu num elevador e ninguém deu “bom dia”. Ou mesmo por não retribuir o cumprimento. Carência total. Se o sujeito precisa que as pessoas - ainda mais desconhecidos - lhe saúdem, é porque está sofrendo.

Considero um “oi” ou aceno perfeitamente suficientes. Aliás, não necessito de nenhum gesto ou palavra para começar um dia, tarde ou noite.

Já sei o que a turma do “antigamente não era assim” vai dizer. Vão lamentar que hoje em dia as pessoas, sobretudo os mais jovens, são mal-educados. Não há mais cortesia. Tem outra: os humanos estão mais individualistas e não se preocupam com seus semelhantes. Queixas daqueles que não se conformam que o tempo passa e alguns costumes se modificam.

Acho excelente que as pessoas sejam mais individualistas. Que possam ficar voltadas para elas sem ter de observar certas convenções sociais. A pressão de ter de se adaptar a normas e procedimentos pode trazer muito mais dano psíquico do que a falta de “bom dia”.

Se há sensação de que o mundo está mais violento, não é por conta de individualismo exacerbado. É simples: tem mais gente no planeta atualmente. Quanto mais seres humanos, obviamente, mais conflitos.

O aspecto tempo também deve ser levado em consideração. A vida agora é bem corrida. E a necessidade de dar “bom dia” para todo mundo que encontra pode provocar atrasos.

Exemplo: dar bom dia aos guardas de uma portaria de condomínio faz com que a pessoa perca segundos na chegada às ruas do itinerário dela. E estes segundos vão representar mais carros pela frente e semáforos fechados. Resultado: atraso para reuniões de negócios e demais compromissos.

É esquecer o “bom dia” e cada um cuidando das suas coisas.









domingo, 21 de fevereiro de 2010

Homem sueco

Igualdade de gênero elimina o cavalheirismo. Foi o que depreendi ao assistir a um dos episódios da série Fora de Casa, no canal GNT, em 2009.

O programa trazia histórias de mulheres brasileiras vivendo no exterior. Em um deles, uma brasileira que mora na Suécia disse que lá no país escandinavo há igualdade entre homens e mulheres.O sueco divide todos os afazeres domésticos. Cuida muito bem dos filhos, quando os têm. Mas ela se queixou de ausência de cavalheirismo. O sueco lava prato, só que não abre a porta do carro. O sueco cozinha, entretanto não manda flores.

Já sei que as mulheres vão pensar: “o ideal é um homem que junte as duas coisas, que seja tanto parceiro quanto cavalheiro”. Mas isso não parece possível, pelo depoimento da brasileira que vive na Suécia. É que a igualdade acaba com a reverência. Não se coloca mais a mulher num pedestal. Se estão todos no mesmo patamar, não se vê mais a necessidade daquele nhenhenhém e jogo de cena para a conquista.

Considero excelente a eliminação do cavalheirismo. Não tenho simpatia por qualquer tipo de reverência e idolatria. Até a meu favor. Se alguém se mostra muito fascinado em relação a mim, eu não curto.

Trato e homens e mulheres da mesma forma. Com algumas exceções, claro. Cumprimento homens com aperto de mão e mulher já conhecida com um beijo – bem vagabundo. Mas não passa disso. Não mudo meu vocabulário. Se tiver falar palavrão na frente de mulher, falo. Se tiver de discutir assuntos pesados – sexo, criminalidade brutal, minha falta de apreço por animais e crianças – pertos das mulheres, discuto.

Mais: considero dispensáveis mimos do tipo abrir a porta do carro. Para mim, isso é equiparar uma adulta a uma criança. Os carros hoje têm portas automáticas. E as mulheres são independentes o suficiente para abrir a porta e sentar no banco de um automóvel por elas mesmas. E ainda outra questão: muitas vezes é a mulher que guia. O cara vai de passageiro. Todo mundo igual. Sem frescuras. Para nenhum dos lados.

Sem essa dos conservadores de costumes que pregam a manutenção dos papéis tradicionais de homens e mulheres. Não haverá caos e destruição civilizacional se homens passarem a cuidar de casa em vez de mandar flores. As coisas mudam e se ajeitam. Vieram a pílula anticoncepcional e mais liberdade sexual e nem por isso o mundo acabou.

Mas muitas mulheres ainda não abandonaram o anseio por reverência. Não percebem que mais paparico pode significar mais fogão e máquinas de lavar. Até porque agora a mulherada também iniciativas em relacionamentos afetivos e sexuais.

Sempre desconfiei que nasci na Escandinávia e fui trocado por uma criança brasileira. Exceto pelo fato de não ter cabelo loiro, tenho todas as características que ouvi serem atribuídas a suecos. Inclusive no aspecto sexual, já que não sou um amante latino. Acho que vou pintar o cabelo.


Marcelo Amaral
e-mail: mcamaral@uol.com.br
www.twitter.com/marcamaral





domingo, 7 de fevereiro de 2010

Jornalista não presta

Os normais – gente com cérebro que produz muita poesia, como aspirações, sonhos e envolvimento em causas individuais ou coletivas – têm orgulho da atividade profissional que abraçam. Sentem-se ofendidos quando alguém fala mal da classe à qual pertencem.

Não tenho isso. Sou formado em jornalismo. Não sou orgulhoso disso. Mas também não sou desgostoso. E não me sinto obrigado a defender “os jornalistas” ou “o jornalismo”. Podem falar que jornalista é vendido. Que jornalista é manipulador. É uma opinião e pronto.

Vou dar um exemplo. Participo de um grupo de discussão na Internet que reúne majoritariamente profissionais de Recursos Humanos. Há neste grupo uma psicóloga especializada em psicodrama. É uma técnica de treinamento pessoal e profissional baseada em dramatizações. Esta psicóloga cita um tal de Moreno, fundador do psicodrama, em quase todas as intervenções dela na rede.

Resolvi debochar. Chamei psicodrama de teatrinho para adultos. Perguntei por que ela sempre citava esse Moreno, um sujeito que ninguém conhece. Aliás, só deve ter alguma relevância no nanocosmo psicodramatista. Minha colega de grupo ficou ofendida. Mandou uma mensagem com um discurso que me pareceu de indignação por eu ter atacado a atividade dela. Mais: o psicodrama, afirmou, trata-se de uma técnica altamente respeitada na atualidade.

Pode até ser que o psicodrama tenha alguma importância. Embora na revistas de disciplinas da mente que leio – as que vão para as bancas, tipo Mente & Cérebro e Psique – nunca tenha visto matéria ou artigo sobre esta corrente. Não leio as publicações mais especializadas.

Só que a questão é esta indignação profissional. Eu só fiz uma provocação barata. Não conheço o tal psicodrama. Não sei como se dá o trabalho desta minha colega de grupo virtual. Apenas tirei sarro. Mas os normais levam as coisas muito a sério. E acabam sendo irresistíveis para mentes irreverentes.

Penso que reações coléricas a opiniões – sobretudo a opiniões como as minhas, que não mudam em nada a situação de um profissional ou de uma categoria – são contraproducentes. Só dão munição e cartaz para quem opinou. Além serem feias. Feias no sentido estético. Basta ver as feições que se formam no rosto de uma pessoa indignada ou enfurecida. Dá rugas de expressão.

Por isso que sou favorável a deixar que qualquer tipo de opinião possa ser manifestada. Não por que se trata de uma convicção moral. E sim por conveniência. Vale falas preconceituosas, racistas, ofensivas, infundadas e tudo mais. Os esforços devem-se ser alocados para atacar as ações. Se alguém é racista e aquilo fica só no pensamento e na boca dele, beleza. Ele deve ser detido e processado apenas se agredir fisicamente ou discriminar – expulsar de um elevador, por exemplo - o objeto do ódio dele.

Há ainda uma questão econômica envolvida. Custa caro reprimir. E vai custar duas vezes mais combater tanto pensamentos e opiniões quanto iniciativas. Creio que será mais eficaz usa os recursos para atuar sobre o que as pessoas fazem e não sobre o que elas pensam e dizem.

Exemplo: penso que punir quem nega o Holocausto não inibe o surgimento de grupos neonazistas. Quem tem ódio por judeus – assim como negros, nordestinos e homossexuais, no caso brasileiro – não vai deixar de odiar porque calam a boca de quem fala do assunto. Pelo contrário, os calados podem até ser transformados em mártires. E aí o fanatismo vai crescer. Quem não gosta vai continuar dizendo que não gosta, mesmo que seja clandestinamente. Mas pode evitar cometer atos de violência porque dá cana brava.

É por isso que ataco o politicamente correto. Além de chato, é dispendioso e ineficaz.

Volto ao início. Jamais me vendi. Porque até agora ninguém quis me comprar.



Marcelo Amaral
e-mail:
mcamaral@uol.com.br
www.twitter.com/marcamaral